No Science20, grupo de engajamento que reúne as academias de ciência do G20, Luciana Santos defende a cooperação entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento para combater a desigualdade tecnológica
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, defendeu o combate à desigualdade tecno-científica na abertura da Science20 (S20), evento paralelo ao Grupo dos 20 (G20) que reúne representantes da comunidade científica internacional nesta segunda-feira, no Rio de Janeiro. Em entrevista durante o evento, Santos afirmou que “é preciso ter atitude política” para enfrentar tais assimetrias, sobretudo em questões que esbarram em interesses econômicos conflitantes, como inteligência artificial e transição energética.
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— Esses interesses precisam ser matizados a partir da vontade política, seja dos países que têm uma uma condição em algumas áreas de conhecimento de maior acúmulo, seja dos países que procuram ter desafios comuns para poder enfrentar essa desigualdade. É preciso ter atitude política, sem dúvida nenhuma — afirmou a ministra. — A comunidade acadêmica e científica vai fazer a sua parte. Nós vamos precisar, no plano do governo e político, demonstrar e fazer valer acordos de interesse que perpassem a superação do atraso tecnológico.
A ministra, que esteve presente em seis das últimas 11 viagens internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou durante seu discurso na abertura do S20 que o combate à desigualdade no acesso à ciência está no centro da presidência brasileira do fórum, que reúne as 19 maiores economias do planeta, a União Europeia (UE), desde este ano, a União Africana. Segundo ela, uma das estratégias para se obter consenso em meio a um ambiente global polarizado é a cooperação, sobretudo entre países do Hemisfério Sul, cujas agendas e realidades são, muitas vezes, comuns.
— O Brasil propõe colocar no centro de sua presidência as questões relacionadas às assimetrias globais no acesso ao desenvolvimento e à produção de ciência, tecnologia e inovação — disse Santos. — O relatório para Inovação na conferência das Nações Unidas aponta que os países da América Latina, Caribe e da África Subsaariana são os menos preparados a adotar tecnologia de ponta.
No caso brasileiro, a ministra destaca um “paradoxo” desafiador:
— A gente tem esse paradoxo: nós somos a 13ª produção científica do mundo, no entanto, nós somos a 49ª em inovação. Ou seja, a nossa inteligência e a nossa produção não se traduzem em produtos e serviços.
Estratégias de cooperação
A ministra defendeu a proposta do ministro da Economia, Fernando Haddad, de taxar os super-ricos, e também o acordo UE-Mercosul como estratégias para obter fundos para combater a desigualdade tecnológica e para as inovações em desenvolvimento pela sua Pasta, como economia digital, bioeconomia e inteligência artificial.
— Concordo em gênero e grau com um debate macroeconômico [já que, sem isso] não é possível a gente avançar nos grandes investimentos em ciência e tecnologia, que cada vez são mais crescentes pelos desafios da revolução tecnológica, da mudança climática e da desigualdade — disse Santos. — Estamos determinados a fazer o acordo UE-Mercosul, que faz décadas que não sai do papel. Tivemos uma boa conversa com o primeiro-ministro da Espanha [Pedro Sánchez], que teve aqui a semana passada. Nós achamos que, resguardado o interesse da compra pública, da transferência tecnológica e do conteúdo local, é possível fazer esses acordos de interesse à Europa e aos países do Mercosul.
Organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), o S20 se debruçará em cinco temas principais: bioeconomia, desafios da saúde, inteligência artificial, justiça social e processo de transição energética. Além de representantes da comunidade científica do Brasil, o evento desta segunda-feira conta com a participação de membros de academias de países como Argentina, Austrália, Canadá, China, África do Sul, além da Academia Mundial de Ciências e outras organizações internacionais.
Novidade da presidência rotativa do Brasil no Grupo dos 20 (G20), o S20 é um dos grupos de engajamento do G20 Social, formado por entidades da sociedade civil que deverão enviar recomendações ao fórum em diferentes aspectos dentro dos temas traçados como prioridade pelo governo do Brasil: combate a fome, pobreza e desigualdade, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global. Pela primeira vez, os grupos enviarão suas declarações finais, em julho, para que os Estados-membros possam analisar o conteúdo a tempo da Cúpula de Líderes, em novembro, no Rio de Janeiro. O G20 Social também terá uma cúpula a parte nos três dias que precedem o principal evento do fórum.